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Estávamos na porta da sala, ouvindo a história de uma aluna sobre um celular roubado, quando minha mãe virou para mim, indignada e em solidariedade, e soltou: “ah, eu sei que a gente tem que praticar o desapego, mas é terrível perder as coisas assim”. Eu não pude concordar mais. Porém, fiquei pensando… será que uma coisa anula a outra?
Lembrei de uma ida à praia, há muitos anos atrás, era um dia de lua cheia, eu, Toni e Oliver, as nossas coisas deixadas na areia para um banho de mar. Quando saímos da água, o mar tinha avançado, tomando conta daquilo que achávamos nosso: nossa bolsa, meu livro e uma máquina fotográfica que havia sido presente do meu pai. O livro guardou as marcas: a máquina nunca mais voltou a funcionar. Ficamos triste, por sorte as fotos conseguimos salvar, alguns registros daqueles que marcam uma história, e que acabam em porta-retrato e ainda temos por aqui. Mas a câmera tinha alguns níveis de apego, que só a resignação foi capaz de permitir que o desapego a levasse de vez.
Eu nunca vou me ver livre do apego, embora em um nível mais profundo, esse apego se dissolva no desapego.
Mas desapego não é ser indiferente às coisas que tenho, algumas que ganhei de pessoas queridas, a afetividade moldada na história que cada coisa possui. Não é ser indiferente ao que me é tomado, e que pode ter sido com certa dificuldade que consegui.
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Se digo que não há dor naquilo que perco, minto copiosamente.
É que só posso negar aquilo que existe. É preciso haver mais que um conceito, é preciso haver o próprio sentimento, para que o ‘desapego’ possa se realizar em existência, em toda a sua dimensão dialética.
Se não há apego, não há desapego, percebe?
Eu não me desapego daquele tênis que me dói o dedo porque, no fim e ao cabo, ele não me cabe. Eu exercito o desapego nestas invenções de amigo secreto de livros, em que se é necessário que seja um livro meu, usado, e que gosto. Aí sim, desapego-me do meu apego, porque, em primeiro lugar, ele existe.
Sofro pelo livro que não encontro e que lembro do dia em que comprei, em uma pequena livraria que já não existe mais, ali onde um vendedor querido me indicava obras inusitadas, ali onde se tocava jazz e bandas instrumentais, em uma varandinha estreita, com mesas redondas.
Não é só o objeto, é uma história.
Mas reconhecer que dói não me torna uma materialista apegada. Ao contrário, eu só posso dissolver aquilo que eu enxergo a existência, em primeiro lugar.
A percepção da dor emocional nos poupa de sentir mais dor. Mesmo que doa, é o ato de perceber a dor que faz com que ela se dissolva. É sadio sofrer, mas apenas o necessário, o natural. O que não é sadio é negar uma dor emocional ou senti-la sem querer aceitá-la. (CESAR, Bel. O livro das emoções. São Paulo: editora Gaia, 2018.)
A dor existe, e talvez seja inevitável, como dizia o poeta. O sofrimento é opcional? Apenas aquele que se prolonga no tempo sem prazo de validade. Pois é verdade que a dor, a depender da sua origem, não é como aquela dor que sentimos quando damos uma topada com o dedo ou com o joelho na mesa. Essas, sim, doem de forma absurda, mas logo passam. Muito rápido. Algumas dores se prolongam no tempo. E não tem mesmo como ser diferente. É preciso senti-las. É preciso digeri-las. E, aí sim, em algum momento ela se vê engolida, dissolvendo-se no entendimento de que a história permanece comigo, assim como as fotos foram salvas no cartão de memória, mesmo que os objetos se vão.
É um tema muito complexo porque desapegar, para mim, não significa não ligar para as nossas coisas. Inclusive penso que devemos ter cuidado e zelar por elas. Praticar o desapego é quando gostamos muito de uma coisa e por circunstâncias alheias à nossa vontade, a perdemos. Entao desapegar será tentar não ficar remoendo na cabeça, lembrando triste de que não possuímos mais. É deixar ir. Gratidão Lara por trazer essas ótimas reflexões.
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